Muito se discute sobre a possibilidade ou não da cobrança de taxa de associação para os proprietários de lotes.
Isso porque, diferentemente dos condomínios, os proprietários de lotes possuem regramento próprio previsto na Lei 6.766/1979 e não havia, até o advento da Lei 13.465/2017, previsão permitindo o rateio das despesas comuns dos referidos proprietários.
O que ocorre é que, como cediço, nos condomínios, todos os condôminos, além das suas unidades autônomas, são proprietários de áreas comuns e por isso são obrigados a contribuir com as despesas para manutenção dessas áreas, assim como dos serviços prestados em prol da coletividade.
Já nos loteamentos a realidade é outra, cada indivíduo é proprietário apenas do seu lote, não havendo área comum. Entretanto, é cada vez mais comum a organização dos chamados loteamentos fechados, proporcionando assim maior segurança e valorização dos imóveis.
Ao fechar um loteamento, os proprietários acabam por utilizar, além de seus lotes particulares, áreas comuns, razão pela qual referidas áreas passam a ser administradas por associações constituídas com esse fim específico, gerando assim custos de:
- limpeza;
- segurança;
- manutenção.
Ademais, é comum nos loteamentos as associações explorar e fornecer serviços de caráter público.
Logo, há valores que precisam ser divididos entre todos os beneficiários dos serviços colocados à disposição e é justamente esse o ponto de divergência, pois haveria evidente enriquecimento sem causa de quem, muito embora se aproveite dos serviços e valorização dos imóveis, recusa a se associar e consequentemente em arcar as taxas.
Entre outros temas relevantes, a Lei 13.465/2017 veio justamente para tentar encerrar esse debate, trazendo algumas modificações na Lei 6.766/1979 e inseriu, dentre outras coisas, a figura do loteamento urbano de aceso controlado[1] e a permissão para as associações administrarem os referidos espaços e com isso realizar as cobranças das taxas[2].
Em que pese as modificações advindas da Lei 13.465/2017 permitir em tese a cobrança das taxas associativas, na prática essas questões continuaram sendo levadas aos Tribunais e o Supremo Tribunal Federal se manifestou recentemente sobre o tema no julgamento do Recurso Extraordinário 695.911, com repercussão geral, tendo sido criada a seguinte tese:
“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir do qual se torna possível a cotização de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, desde que, i) já possuidores de lotes, tenham aderido ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou, (ii) no caso de novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido registrado no competente registro de imóveis.” (nosso destaque) (tema 492/STF).
Ao se debruçar sobre o tema, o Ministro Dias Toffoli, relator do julgamento supra mencionado, destacou alguns julgamentos anteriores daquela Corte no sentido de que é preciso respeitar o princípio da legalidade e o da livre associação.[3]
Ou seja, enquanto não havia lei própria sobre o tema (criado pela Lei 13.465/2017 ao inserir o art. 36-A na Lei 6.766/1979) e não sendo ninguém obrigado a se associar (art. 5º, XVII), não era possível a cobrança da taxa associativa, tendo sido declarado inconstitucional as cobranças anteriores a lei 13.465/2017.
Antes dessa recente solução, o Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado sobre a questão em sede de recurso repetitivo, firmando a tese do tema 882, segundo o qual “as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”[4].
A fundamentação para essa conclusão foi a de que as obrigações somente podem ser criadas por lei ou pela vontade das partes, logo, não havendo lei específica que permita a cobrança e não havendo a vontade de associar-se, não pode uma associação cobrar valores de quem optou por não se associar.
Assim, acompanhando a Suprema Corte, o STJ estabeleceu que para permitir a cobrança de taxa associativa é preciso existir a vontade inequívoca do indivíduo em associar-se e previsão legal para a cobrança, algo que não ocorria até o advento da Lei 13.465/2017.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, possui decisões ambíguas. Algumas acatando o entendimento firmado na tese 882 e outras diametralmente opostas. Vejamos:
ASSOCIAÇÃO. LOTEAMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXAS ASSOCIATIVAS. Sentença de improcedência. Irresignação da autora. Julgamento antecipado. Preliminar de cerceamento de direito rejeitada. Autora que não comprovou documentalmente a associação da ré à entidade. Pretensão fundada no enriquecimento sem causa. Não associado que não é obrigado ao pagamento das taxas de manutenção. Aplicação da tese consolidada pelo E. STJ em sede de recurso repetitivo: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram” (RESp nºs. 1.439.163/SP e 1.280.871/SP). Precedentes desta C. Câmara. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (nosso destaque)
(TJ-SP – AC: 10039077720198260073 SP 1003907-77.2019.8.26.0073, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 04/08/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/08/2020)
AÇÃO DE COBRANÇA. LOTEAMENTO. TAXA ASSOCIATIVA. Ação ajuizada por associação em face dos proprietários de imóvel em loteamento, pretendendo a cobrança de taxas associativas vencidas e não pagas. Sentença de improcedência. Apelo da autora. 1. Preliminar de cerceamento de defesa que deve ser afastada. Documentos juntados aos autos que eram suficientes para a solução do litígio. 2. REsp 1280871/SP que, em regime de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), firmou entendimento de que “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”. Conclusão que não afasta a possibilidade da associação ser ressarcida pelos gastos efetuados em benefício do proprietário, em pleito fundamentado no enriquecimento sem causa (art. 884 do CC), conforme ressalva da Min. MARIA ISABEL GALLOTTI em seu voto no caso. Serviços prestados, sem oposição, que beneficiam o proprietário, direta e indiretamente, e demandam, necessariamente, dispêndio financeiro que podem ser cobrados. Obrigação derivada da vedação ao enriquecimento. Desnecessidade de ingresso com pleito indenizatório. Ressarcimento pelo rateio das despesas efetuadas, relativas, em regra, a serviços indivisíveis, que pode ser representado pelas taxas cobradas, caso demonstrada administração séria do loteamento. Exigir a comprovação específica de cada serviço prestado efetivamente ao imóvel implicaria em probatio diabólica. Condenação ao ressarcimento devida. 3. Recurso provido. (nosso destaque)
(TJ-SP – AC: 00025754920148260338 SP 0002575-49.2014.8.26.0338, Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 11/12/2020, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/12/2020)
Como é possível notar nos julgamentos acima do Tribunal de Justiça de São Paulo, ambos foram proferidos em 2020, portanto, após as modificações introduzidas pela Lei 13.465/2017, contudo, o primeiro rejeita a cobrança em respeito ao princípio da livre associação, aplicando a tese firmada pelo STJ em sede de recurso repetitivo.
Já o segundo julgamento, embora mencione o entendimento do STJ, ressalva que nada impede as associações de serem ressarcidas dos gastos que tiveram em benefício dos proprietários, vedando assim o enriquecimento ilícito.
Entretanto, em que pese ser um contra senso um proprietário utilizar e se beneficiar dos serviços prestados por uma associação e com isso haver evidente enriquecimento sem causa, o Ministro Dias Toffoli ressaltou nos fundamentos de seu julgamento (RE 695.911) que os princípios constitucionais não podem ser preteridos por princípios infraconstitucionais.
Logo, quanto ao argumento amplamente utilizado de enriquecimento sem causa, Toffoli afirma que a sua aplicação “em face do princípio da liberdade associativa só faria sentido em um sopesamento entre esse princípio e eventual princípio constitucional no qual a regra se baseia, afirmando, nesse sentido, que “é o princípio da legalidade o instrumento de sopesamento constitucional ao princípio da liberdade de associação.”
Com essa premissa, na falta de lei específica sobre o tema, somente a vontade da parte em se associar poderia vinculá-la às obrigações de uma associação, sob pena de obrigar uma pessoa a se associar por conta da vontade dos demais, mas não a sua própria, sem uma previsão legal para tanto, o que infringiria o princípio da livre associação e o da legalidade, como já mencionado anteriormente.
Assim, a Lei 13.465/2017 seria um verdadeiro marco para início da cobrança das taxas associativas por conta do texto introduzido pelo art. 36-A da Lei 6.766/1999, já que assim haveria o respeito ao princípio da legalidade.
Entretanto, há ainda um segundo princípio também constitucional que não pode ser olvidado, qual seja, o da livre associação, que não pode ser afrontado por norma infraconstitucional.
Nesse diapasão o STF[5] superou essa questão estabelecendo que a cobrança de taxa associativa é possível, desde que após a Lei 13.465/2017 ou que haja lei municipal anterior em mesmo sentido e ainda, cumulativamente, que os proprietários tenham anuído em se associar ou então que as condições da associação tenham sido devidamente averbadas no competente cartório de registro de imóveis, tornando pública a questão aos novos proprietários.
Portanto, em que pese o entendimento diverso do Tribunal de Justiça de São Paulo em muitos casos a fim de evitar o prestígio do enriquecimento sem causa, fato é que o STF, a quem compete a guarda da Constituição, definiu recentemente de forma diversa, permitindo a cobrança, mas com restrições.
Ou seja, na prática, de acordo com a recente tese firmada pelo STF, os proprietários que adquiriram seus lotes antes da Lei 13.465/2017 somente deverão arcar com as taxas associativas caso tenham concordado em se associar, do contrário, somente será possível a cobrança daqueles que adquiriram os lotes posteriormente à referida lei e desde que as obrigações estejam devidamente registradas no Cartório de Registro de Imóveis.
Entretanto, importante destacar que há decisões favoráveis à cobrança das taxas associativas para aqueles que, muito embora tenham adquirido seus lotes antes da Lei 13.465/2017, exerceram atos de evidente intenção de se associar, como por exemplo exercer cargo efetivo na associação.
[1] Art. 2º, § 8º da Lei 6.766/1979
[2] Art. 36-A da Lei 6.766/1979
[3] RE nº 432.106/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 3/11/11.
[4] REsp nº 1.439.163/SP
[5] Recurso Extraordinário 695.911